Prólogo II. Emilio Rodrigué. Bahia, abril de 1998.

Hernán, mais uma vez, embarca em navios que nos parecem fantasmas, sem mapas, mas com a bússola enfeitiçada de sua criatividade de homem lúdico. Estranha cartografia sem mapas, como nos heróicos tempos de Henrique o Navegante.

Na realidade, nossos anos setenta parecem-se aos tempos de Henrique o Navegante, filho do rei de Portugal, navegante maior do século XV, mestre do Colombo. Talvez o Enrique Pichón Rivière fosse nosso psicoargonauta, homem que com o tempo vai projetando uma sombra que se agiganta.

A coisa começa em 1956.

Em 1956, ano do centenário do nascimento de Freud, é fundada a carreira universitária de Psicologia em Rosário. Esse ano também foi importante na área de Saúde Mental, já que Maurício Goldenberg inicia uma experiência nova no hospital policlínico Gregório Aráoz Alfaro, de Lanús*. Goldenberg rodeou-se de médicos jovens, que logo brilhariam como estrelas de primeira magnitude, o Hernán entre eles. Lanús proporcionou a oportunidade de experimentar, numa extensão que não tinha-se dado antes, algo que vai além do simples deslocamento do analista ao âmbito público, sendo o lugar onde modificou-se a relação médico-paciente. Foi a hora dos grupos, das equipes, do multidisciplinar, do brainstorming. Ao mesmo tempo, as psicólogas povoavam os divãs de Vila Freud** e os bares da Manzana LocaF . Sim, pensando bem, muitas coisas começam a se agitar a partir de 1956 no Rio da Prata. Naquele ano é fundada a Associação de Psicologia e Psicoterapia de Grupos. Tato Pavlovsky e Jaime Rojas Bermúdez iniciam suas experiências em Psicodrama. Naquele mesmo ano, teve lugar a operação Rosário*, feita por estudantes e médicos jovens daquela cidade que trabalhavam com Enrique Pichón Rivière no Instituto Argentino de Estudos Sociais IADES. Cerca de mil pessoas, conta-nos Balán, desde professores universitários até boxeadores, incluindo um bom número de estudantes de Medicina e Psicologia, sob a direção de 20 analistas, reuniram-se durante um fim de semana prolongado, para discutir em Rosário, a cidade onde residiam. A psicanálise estava na rua. Pois bem, o Hernán sempre estava. Interpretou o espírito do momento, como cabe a um exímio antropófago. Pode-se dizer que inaugurou um novo perfil de terapeuta, adicionando, ao mesmo tempo, uma dimensão poética a seu afazer. Este amigo meu tem um não sei o quê de renascentista.

Eu aprendi muito dele e fui um bom discípulo. Com o Hernán tirei a gravata. Eu tinha mundo e saia-me bem em qualquer mesa: sabia reconhecer os talheres de peixe; com o Hernán aprendi a ter rua, jogo da amarelinha e XXX, e até melhorou minha alcova. Com ele aprendi XXXa mexer os pauzinhos políticosXXX.

Logo fomos quatro. Foi a hora de La Casona, lugar onde potencializou-se nossa amizade. Armando, Hernán, Tato e eu, também chamados os Soviet Boys, construímos uma utopia do quase possível que enriqueceu nossas vidas, numa multiplicação dramática, termo que lhes é caro com alma de homo gestalt. Uma prova concreta dessa multiplicação dramática ocorreu durante os magníficos e insensatos 49 dias do governo de Cámpora, onde as idéias pipocaram que nem pipoca na panela, que nem salmões saltando corrente acima para desovar.

Quando Hernán obteve a cadeira de Psicologia Médica, as pessoas de Plataforma se mobilizaram. Chamou-me para assumir o setor de admissão. Num fim de semana, no tanque de idéias, uma idéia desovada. Tinha nome: Grupo de Espera. O salmão principal foi Tato ou quiçá foi Hernán, ou posso ter sido eu. Gilou, quem sabe? Muitos espermatozóides espiroqueteavam naquele tanque, coisa que, como vimos, acontece quando um grupo transforma-se em mais que a soma das partes.

O Grupo de Espera solucionava o problema das filas de admissão. Antes e tradicionalmente, em todos os hospitais, o paciente chagava, tirava número e tinha que esperar horas para ser atendido em breves entrevistas individuais. Procedimento demorado e insuficiente. Com o Grupo de Espera, o paciente chegava, uma secretária preenchia sua ficha e era atendido naquele mesmo dia numa admissão coletiva. O Grupo de Espera contava com uma dúzia de terapeutas e durava duas horas. Os 30 ou mais pacientes dividiam-se em subgrupos coordenados por dois ou mais terapeutas e começava uma rodada de apresentação. Passada a primeira hora, os terapeutas reuniam-se e fazia-se uma nova divisão, continuando uma semiologia improvisada. Dai começava-se uma pesquisa mais detalhada. Via de regra, os pacientes eram convocados uma segunda vez, mas já naquele primeiro dia faziam-se alguns encaminhamentos e consultas individuais. O paciente, desta maneira, começava desde o vamos a estabelecer uma transferência com o hospital. Uma vantagem do Grupo de Espera era que os estudantes podiam assistir como ouvintes. A ova do salmão transformou-se no Ovo de Colombo.

E agora, para simplificar ou complicar as coisas, o Hernán aparece com esta autobiografia quando eu estou escrevendo a minha. Sincronicidade junguiana? De qualquer maneira, chegou o momento no qual temos que registrar os tempos nos quais vivemos. Mimi Langer, grande figura por trás desta história, abriu o caminho. Hernán, mais uma vez, mostra sua precocidade. Como disse em algum lugar: Hernán é o Mozart da geriatria.

Eu agradeço não invejá-lo, desfruto sua colheita como se fosse minha; coisa que, devo admitir, rara vez me acontece.

Tradução realizada pela Dra. Irina Dicovsky Buenos Aires

Prólogo II. Emilio Rodrigué. Bahia, abril de 1998.
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